segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

memória submersa (ver o vídeo antes de ler o texto)

Paulo acorda todos os dias especificamente às 05:43 da manhã, engole um pão velho da padaria do vendedor obeso que sorri um sorriso simpático e sujo pra cobrir a raiva de quem compra um pão murcho por 50 centavos e joga a velha desculpa da farinha inflacionada, toma uma coca diet inflada de aspartame suficiente pra alimentar o câncer diário, veste a camisa suada de uma marca qualquer e a calça de 1956 do pai. pai? janela de três metros cúbicos de madeira, uma cortina de voal vermelha, brega, um vento de fim de tarde abafado, lento. Pega as chaves surradas do caminhão, checa anotado no braço esquerdo o endereço da mercadoria. Sobre no caminhão, tenta dar a partida 5 vezes. Olha o pára-brisa, sujo de sangue. um bicho. deve ser uma libélula. libélula solta sangue? luz amarelada entrando por entre as brechas da madeira formando um desenho geométrico nos pés, calor. O motor range, o escapamento solta quantidades incontáveis de gases, a rua abafa, nublada. paulo repete o percurso há trinta anos, há sete mil e duzentos dias. existem mais de um milhão de Paulos. existem mais de um milhão de memórias na minha cabeça e nenhuma delas ainda vive, eu tenho medo de que elas só existam quando eu estou ao lado delas. eu tenho medo de não lembrar aonde fica a gaveta de fotos. eu tenho medo de esquecer que existem fotos. A água sobre pelas brechas da madeira, escorre pelas paredes da casa, o som é quase azul.

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