quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Horizonte do exterior-estrangeiro


Paisagem Submersa de João Castilho, Pedro David, Pedro Motta.


Dam – então é isso?
Anoder – Isso.
Observam uma linha traçada em um cenário.
Anoder – Parece desapontado.
Dam – Não é isso...
Anoder – Mas, parece.
Dam – Acho que estou, mas não queria desapontar você que teve tanto trabalho para me trazer aqui.
Anoder – Tudo bem, eu entendo.
Dam – Foi assim com você?
Anoder – Comigo? Não. Eu, na primeira vez, fiquei deslumbrado.
Dam – Acho que eu tinha muita expectativa.
Anoder – Poder ser.
Dam – Me desculpe.
Anoder – Imagine, não me deve desculpas.
Dam – Mas é sempre assim? Será que eu não vim num dia ruim?
Anoder – Não. É sempre assim.
Dam – Que coisa.
Anoder – É.
Dam – Vamos?
Anoder – Não quer ficar mais um pouco?
Dam – Tenho vontade de ficar quando penso no caminho da volta.
Anoder – É cansativo, não é mesmo?
Dam – Ô!
Anoder – Não quer sentar um pouco?
Dam – A areia me incomoda. Me dá aquelas brotoejas.
Anoder – É alérgico?
Dam – Penso que sim.
Anoder – E um coquetel, não quer?
Dam – Eu não bebo.
Anoder – Não bebe?
Dam – Não bebo.
Anoder – É uma pena. Aqui eles fazem aqueles maravilhosos coquetéis coloridos, com gelo triturado e pequenos guarda-chuvas.
Dam – Eu vi num anuncio.
Anoder – São muito bons, pena que você não bebe.
Dam – Eu parei.
Anoder – É uma decisão sabia.
Dam – Será?
Anoder – Creio que sim.
Dam – Tem aquela historia de que um cálice de tinto a noite ajuda o organismo.
Anoder – Eu bebo um cálice todas as noites.
Dam – Você parece bem.
Anoder – Obrigado.
Pausa.
Anoder – Sabe o que mais me fascina quando estou aqui?
Dam – Os coquetéis?
Anoder – Não, não. Me refiro, de fato, a paisagem.
Dam – O que?
Anoder – Pensar que do outro lado existem os outros e que talvez agora, nesse exato momento, estejam outros dois a olhar o nosso horizonte e a pensar que talvez estejamos aqui.
Dam – Eles pensam isso?
Anoder – Não sei, mas gosto de pensar que sim.
Dam – E eles realmente falam em outro idioma?
Anoder – É o que dizem.
Dam – E pensar?
Anoder – Como assim?
Dam – Será que também pensam em outro idioma?
Anoder – Isso eu não sei, mas penso que sim.
Dam – Mas e quanto a química do pensamento, será que ela muda?
Anoder – Química do pensamento?
Pensativo
Dam – Voce já conheceu alguém que cruzou a fronteira?
Anoder – Meu bisavo.
Dam – Serio?
Anoder – É o que dizem.

...

(Fragmento da peça "Deus e o Cachorro", Mutarelli)

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