Cacá me mandou por email essa tentativa de organização de dramaturgia.
A: Clarice
B: Padu
C: Analu
A: A
poeira fina que ocupava o espaço onde antes ficava a sua estante, eu varri como
quem varre os destroços de uma guerra. O vazio não. Eu bem que tentei. Só
tentei. O vazio só é. Só sou. So so... O mofo da parede eu só vi agora, depois
que as suas coisas saíram debaixo da mesa. Você vai ter que voltar pra me
ajudar resolver, quando vier dar uma força com as garrafas de cerveja,
que você bebeu, diga-se de passagem. Não esquece tá?!
B:Chega.
A:(para
si) O processo é de subtração. Liberdade é prazer. Música é prazer de presente.
Respira.
C:
"pegar a espingarda velha do seu avô que
você por algum motivo não trocou por dinheiro na campanha de desarmamento,
abrir o cartuxo, tirar a pólvora negra, colocar dentro de um pequeno furo em
cima de uma lâmpada. colocar a lâmpada de volta no teto. esperar que ela esteja
dormindo deitar ao seu lado ligar o interruptor 0,43782 milésimos de segundo
BUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUM."
A: Lembra do nosso cantinho?
C: Tenta se afogar. Não
consegue.
A: Pra onde mesmo eu disse voar? A
sensação é de um sol... Um sol, que de alguma maneira chove... Um sol... Parece
que é bonito, mas tá doendo... Parece que vive, mas é absolutamente
programado... É como se um sol chovesse na pele, é isso.
B: Não dá pra trazer pra você uma
coisa que é do outro.
A: Mas eu não sinto só o sol... É como
se me observassem o tempo todo. Você talvez. E ainda que não haja observador
nenhum, 'o essencial é se sentir observado' Foucault, lembra? Esquece...
"Basta um possível olhar superior central, vigilante, de modo que tudo
veja sem ser visto, porém sendo de extrema importância que o vigiado se
conscientize dessa observação constante." Um golpe psicológico. Trata-se
de pura especulação, na íntegra. Esquece. É Foucault, você não vai entender.
Traz por favor, uma garrafa de água, três alto falantes, um sintoma de
fraqueza, uma dor de cabeça, mistura com neosaldina com um pouco de sal que dá
pra engolir na boa, uma mordida de unha e três mexidas de cabeça daquelas do
tempo em que a gente não contava o tal do tempo e perdia os dias sentados na
varanda branca de sinteco, de vez em quando ao lado das árvores
quietas. Aproveitando, traz um pouco de talco branco pra cuidar os nossos
pés de anos enterrados e um alicate de unha?
B: Não
C: Tentativa de choro baixo. Não
conseguir. Tentativa de choro baixo. Não conseguir.
A: Parece vivo, mas é absolutamente
programado. Não ser amado de volta é que dá esse gostinho doce no final da
vida.
C: Tentativa de gargalhar desvairadamente.
Não conseguir.
A:
então é isso?
C: Isso. Parece
desapontado.
A: Não
é isso...
C: Mas,
parece.
A: Acho
que estou, mas não queria desapontar você que teve tanto trabalho para me
trazer aqui.
C: Tudo bem, eu entendo.
A: Foi
assim com você?
C: Comigo? Não. Eu, na
primeira vez, fiquei deslumbrado.
A: Acho
que eu tinha muita expectativa.
C: Poder
ser.
A: Me
desculpe.
C: Imagine,
não me deve desculpas.
A: Mas
é sempre assim? Será que eu não vim num dia ruim?
C: Não. É sempre assim.
A: Que coisa.
C: É.
A: Vamos?
C: Não quer ficar mais um
pouco?
A: Tenho
vontade de ficar quando penso no caminho da volta.
C: É cansativo, não é
mesmo?
A: Ô!
C: Não
quer sentar um pouco?
A: A
areia me incomoda. Me dá aquelas brotoejas.
C: É
alérgica?
A: Penso que sim.
C: E um coquetel, não quer?
A: Eu não bebo.
C: Não
bebe?
A: Não
bebo.
C: É
uma pena. Aqui eles fazem aqueles maravilhosos coquetéis coloridos, com gelo
triturado e pequenos guarda-chuvas.
A: Eu vi num anuncio.
C: São muito bons, pena que
você não bebe.
A: Eu parei.
C: É uma decisão sabia.
A: Será?
C: Creio que sim.
A: Tem aquela historia de
que um cálice de tinto a noite ajuda o organismo.
C: Eu bebo um cálice todas
as noites.
A: Você parece bem.
C: Obrigado.
Pausa.
C: Sabe o que mais me
fascina quando estou aqui?
A: Os coquetéis?
C: Não, não. Me refiro, de
fato, a paisagem.
A: O que?
C: Pensar que do outro lado
existem os outros e que talvez agora, nesse exato momento, estejam outros dois
a olhar o nosso horizonte e a pensar que talvez estejamos aqui.
A: Eles pensam isso?
C: Não sei, mas gosto de
pensar que sim.
A: E eles realmente falam
em outro idioma?
C: É o
que dizem.
A: E pensar?
C: Como assim?
A: Será que também pensam
em outro idioma?
C: Isso
eu não sei, mas penso que sim.
A: Mas e quanto a química do pensamento,
será que ela muda?
C: Química
do pensamento?
A: Voce
já conheceu alguém que cruzou a fronteira?
C: Meu
bisavo.
A: Serio?
C: É o que dizem.
A:Seu
bisavô então devia falar outro idioma.
C: Se realmente cruzou o
oceano, só poderia falar outro idioma.
A:Como
será?
C: Deve ser igual.
A: Como assim?
C: Por exemplo, um cachorro
lá é dog.
A: Dog?
C: É. Dog é cachorro.
A: Caramba!
C: Caramba
eu não sei.
A: Não, eu disse, caramba!
Que coisa! Nossa! Meu Deus!
C: Eu sei que Deus é dog ao
contrario.
A: Como assim? Um cão
quando anda de costas é Deus?
C:Não,
dog e God.
A: Então Deus, aqui,
deveria ser orrohcac.
C: Ou, oãc.
A: É verdade.
C: Dog,
cachorro.
A: Eu tenho uma dúvida.
C: Qual?
A: Um dos é um cachorro de
lá, mas se vissem um cachorro aqui como seria?
C: Aqui?
A: É.
C Acho que seria cachorro
mesmo.
A: E
um mesmo cachorro pode ser dos e cachorro ao mesmo tempo?
C: Não, porque nenhum corpo
pode estar em dois lugares ao mesmo tempo.
A: E Deus?
C: Deus pode.
A: E então?
C: Nessa você me pegou.
A: Então God é o Deus
deles?
C: É.
A: Politeístas
desgraçados!(para B que passa/ C sobra) É novo.
B: O que?
A: O
lustre. Comprei ontem, gostou?
B: Sério? É...
A:Você
teria um tempinho pra me ajudar é que eu não alcanço a lâmpada você é mais alta...
B: Não sou não.
A: É só um minutinho mesmo,
pode subir em mim...
B: Eu
estou do mesmo tamanho que eu estaria se estivesse em pé...
A: É rapidinho mesmo...
Você parece mais inteligente do que as pessoas que passam por aqui...
B: Sério?
Não é melhor fazer pezinho?
A: Pode
ser... É rapidinho...
B: Sério?!(B
sobe em A) Cuidado hein?! Calma...
A: desculpa?
B: não
A: desculpa por tudo?
B: Não
A: Desculpa por alguma coisa?
B: Não.
A: Desculpa por todas essas memórias?
B: Não.
A: Desculpa as falha e... os buracos?
B: Não.
A: Desculpa ter quebrado aquela ampulheta de vidro que a sua avó te deu?
B:…
A: E esse silêncio?
B: Não desculpo.
A: O que você não desculpa?
B: Não desculpo tudo, não desculpo alguma coisa, não desculpo todas essas memórias, não desculpo as falhas nem os buracos, não desculpo a ampulheta de vidro que a minha avó me deu e você quebrou.
A: …
B: E esse silêncio?
A: É o que fica
B: Não. o silêncio vai. Você fica.
A: E você?
B: Eu também fico.
A: Enquanto...
B: Enquanto eu não te desculpar.
A: Vamos ficar aqui pra sempre?
B: …
A: Parece que o tempo tá andando pro lado.
B: Quer um chá?
A: Não.
B: Que bom, não tem.
…
…
…
B: não
A: desculpa por tudo?
B: Não
A: Desculpa por alguma coisa?
B: Não.
A: Desculpa por todas essas memórias?
B: Não.
A: Desculpa as falha e... os buracos?
B: Não.
A: Desculpa ter quebrado aquela ampulheta de vidro que a sua avó te deu?
B:…
A: E esse silêncio?
B: Não desculpo.
A: O que você não desculpa?
B: Não desculpo tudo, não desculpo alguma coisa, não desculpo todas essas memórias, não desculpo as falhas nem os buracos, não desculpo a ampulheta de vidro que a minha avó me deu e você quebrou.
A: …
B: E esse silêncio?
A: É o que fica
B: Não. o silêncio vai. Você fica.
A: E você?
B: Eu também fico.
A: Enquanto...
B: Enquanto eu não te desculpar.
A: Vamos ficar aqui pra sempre?
B: …
A: Parece que o tempo tá andando pro lado.
B: Quer um chá?
A: Não.
B: Que bom, não tem.
…
…
…
uaoooowwwwwwww
ResponderExcluirque pira!