sexta-feira, 30 de março de 2012

sei a analu como imagem, o texto eu não sei escrever

Ana Lu parada, observando a janela.

- Ana Lu. Ana Lu. Ana Lu. Ana. ANA! Sai da chuva, Ana! Vai pra dentro, vai. Vai lá! Anda, Ana! Ana, que saco, vai pra dentro!

Ana Lu parada, observando a janela.

- A área vai ser inundada. (Pausa) Ana, eu tenho uma licitação pra inundar, tá bom? Isso aqui não vai mais existir. Eu vou construir uma usina hidrelétrica.

Ana coça os pés.

- Infelizmente você vai ter que sair. Pega sua bolsa, sua janela, se você quiser. Sai.

Ana Lu parada, observando a janela.

- Imagina esse mofo crescendo pela parede. Isso aqui não terá mais nada seu. O mofo engole tudo, não tem jeito.

Ana Lu parada, observando a janela.

(Longa pausa)

- Prometo te dar 5 kilos de arroz, 1 kg de feijão, 1 kg de açúcar, 250 g de café, 130g de biscoito cream cracker, 1 kg de farinha de trig... (Pausa) Uma coca-cola.

Ana coça os pés.

- Prometo desligar as câmeras. Não existe ninguém que monitora mesmo.

Ana Lu parada, observando a janela.

- Existe um código de defesa do consumidor aqui, se você quiser. A janela é cortesia. Pode levar, Ana. Você ainda ganhou mais uma cortesia, Ana! Parabéns!

Ana Lu parada, observando a janela.

- Aqui, um cano.
- Obrigada.
- De nada.
- Eu não tinha percebido o mofo na parede.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Diálogo qualquer

- e se vc pudesse me dizer só uma coisa dentre todas as coisas que se pode dizer, o que você diria?
-eu? por que eu?
-jura?
-o que?
-que seria isso?
-isso o que?
- o que você me diria
-Não!!
-...
-Seria: Fica.
-...
-Eu acho.
-...
-Que foi?
-Achei que você não saberia responder.
-Eu sei.
-Não vai me perguntar o que eu diria?
-Não.
-Achei que...
-Eu sei.
-Você mudou muito!
-Você não.
-Eu sei.
-O que são essas manchas?
-No rosto?
-é...
-É o tempo.
-...
-Quero dizer que foi o tempo que fez isso... E a água da chuva também ajudou... E a sua...
-Fiquei preocupada.
-Eu sei.
-Achei que fosse...
-alguma doeça sem cura. Eu sei. E é...
- Eu sei. Por isso …
-Você  me procurou e inventou toda essa história de coisas a serem ditas. Aham... Eu já tinha entendido.
-Eu sou...
- Muito. Muito previsível.
-Eu ia dizer outra coisa.
-Não ia não.
-É. Não ia.
-Escuta...
-Fica bem logo.
-Era o que você diria.
-é... talvez... provavelmente... E estou dizendo agora também.
-Tá.
-Lembra...
-Do que a cigana disse? Lembro.
-Não era uma cigana. Era uma...
-Médica espiritual. Eu sei.
-Então porque não...
-Não sei porque não falo da maneira correta. Acho que é...
-Pra me provocar. Eu sei.
-É. Eu sei que você sabe. Todo mundo morre.
-Não foi isso que ela disse.
-E nem eu disse que foi isso.
-Mas você acha que foi.
-É. Acho.
-Eu tenho que ir agora.
-Eu...
-Você sabe.
-É...
-Se...
-Tá.

quintaanoite

- oi!
- …
- oooooooi!
- é triste esse esforço que você faz pra tentar ser feliz
- …
- é meio deprimente
- você devia tentar... sabe? pelos outros
- é pros outros que você sorri assim?
-...
- é?
- é
- você fica feia, assim, feliz
- ninguém mais acha
- só você
- você devia tentar
- não, tudo bem. eu não me importo com os outros
- mentira
- você
- eu?
- que?
- você ia falar de mim
- deixa pra lá, esquece
- como se fosse possível
- o que?
- esquecer
- esquecer o que?
- não sei. não lembro.
- você nunca lembra de nada
- eu lembro de você
- mentira. acabei de passar e você não me reconheceu
- quer dizer. eu lembro de como você era
- jura?
- acho que sim
- como eu era?
- desse jeito. só que outra
- engraçado. eu tinha a impressão de ser a mesma, só que de outro jeito
- é porque você esquece tudo
- eu sei
- deve faltar uma proteína
- será? de repente.
- é. eu ouvi essa história
- você tá linda
- brigada

Andei ouvindo coisas...

Andei ouvindo umas coisas, e não era coisa boa não. Era coisa que não se diz assim, em qualquer lugar, à qualquer pessoa... Por isso fiquei sério, por isso estou sério hoje. Um burburinho. Ouví barulho de chuva, de cheiro de chuva, e sonhei que a janela estava aberta. Mofo, borrão, gesso e cal. A pressão nos olhos é tão grande que já não enxergo, e caio. Caio da Varanda em cima de alguém. Um desconhecido, graças à Deus. Um menino desconhecido, simples. Há um bando deles. Uma comunidade. Todos me olham. Todos estão sorrindo. Um mais sujo e mais lindo que o outro... A pressão nos olhos deles é ainda maior, mas as pessoas falam tanto que já não me comovo mais. E apesar de toda a fartura, de toda visão de mundo e de tanto discurso, apesar de tudo e de todos, deixo 15 centavos com os garotos e digo que é tudo o que tenho, obrigado. Eles agradeçem, ainda mais felizes. Não me arrependo do valor, graças a Deus.

Ouví dizer que Deus é um cachorro, que homens são cavalos, e que esse ano o mundo acaba. Ouví dizer que música é prazer, que o silêncio não existe e que não posso ficar quieto, tenho que falar, que me colocar. Me impôr. Tenho que cavar o meu espaço, a minha própria cova. Ouví falar de egoísmo, egocentrismo, formol e dor... Não nessa ordem.

Ouví dizer que as coisas fazem ou podem fazer algum sentido e começo a achar que o problema sou eu.

quarta-feira, 28 de março de 2012

algo mais concreto


Prólogo
(Ela está sempre à procura de paredes que não existem num teatro ou como possibilidade de cenário para a peça. A presença das paredes se faz por sua ausência, o processo do panóptico é a sensação de estar sendo observada do início ao fim e a busca por apoios breves, fricções de afeto. A parede nesse caso é apenas a sensação do panóptico e a janela, a possibilidade do estrangeiro. Início. Ela de costas ereta descrevendo uma parede ao fundo da cena, o mofo de uma parede antiga que se torna céu. A cena é por inteiro céu, e ela se mantém num movimento de locomoção que parte da resistência da sensação de estar sendo puxada para a platéia como uma ímã na coluna. Trilha sonora. Ápice. Fim. Início.)

Clarice: Você não deve ter impermeabilizado bem o terraço, porque agora eu posso ver o mofo na parede azul, que antes me parecia horrível, de um branco acinzentado, com pontinhos embolorados amarelos que se expandíam à medida em que se aproximavam do teto. Os amarelos antigos, esverdeavam e novos pontinhos pareciam surgir toda vez que olhava a parede. Me incomodava. O borrão cinzento me invadia e eu já não suportava mais. A água que faltou este tempo todo deve ter ressecado uma parte de mim, porque já não me comovem mais os patos, as portas, as pinças, os potros, os panos e todas aquelas coisas que costumavam fazer cosquinha nas minhas entranhas. O sistema elétrico monofásico me deu curtos monogâmicos. Ambos com sombras-bombas-relógio de um porvir autodestrutivo.A água sobe pelas brechas da madeira, escorre pelas paredes da casa, o som é quase azul. Lembra do dia em que acordei deitada no teto e o chão tinha caído em mim, por causa das infiltrações subterrâneas geradas pelo movimento peristáltico do centro da terra e pela permeabilidade pluvial do terraço? Foram-se os meses com aquelas bolhas de água infiltradas na minha pele de gesso e cal. Agora já não mais parede e eu toda mofo para além de lá atrás tão branco acinzentado com esses bolores amarelos, de forma que eu mudo o contraste apenas variando a pressão dos olhos. E de repente é tão nuvem que se eu continuar olhando, por mais alguns minutos, sei que chovo. E de repente é tão imenso que fico tímida. Tenho medo de não achar belo. Já enxergo mais azul do que cinza, transbordando a sala, ficou maior do que ela, maior do que a casa... Agora acredito no seu direito de ser céu se quiser. Dá vontade de gritar: A terra é azul! Maligno e lindo, esse céu. É meu. (pausa). Início.

(Entrada Padu, Analu já estava em cena: entrou no texto da Clarice. Luz mais geral. Suspensão. Dispersão, Clarice volta ao lugar inicial. Padu desconstrói uma das bases de cano da estrutura do cenário. Analu se mantém observando. Padu sai segurando cano. Analu segue a mesma tragetória.)

Passagens Padu e Analu

Clarice: A poeira fina que ocupava o espaço onde antes ficava a sua estante, eu varri como quem varre os destroços de uma guerra. O vazio não. Eu bem que tentei. Só tentei. O vazio só é. Só sou. So so... muito mais que. não. anonimato é só metade da brincadeira. Me sinto menos livre que o mesmo desespero que eu chamo de só. muito menos que... não. agora não mais... e só. O mofo da parede eu só vi agora, depois que as suas coisas saíram debaixo da mesa. Você vai ter que voltar pra me ajudar resolver, quando vier dar uma força com as garrafas de cerveja, que você bebeu, diga-se de passagem. Não esquece tá?!

Padu:Chega.

Clarice: Eu to falando de dor.

Padu sai

Padu e Analu de passagem

Clarice para padu: É nova.

Padu: O que?

Analu sai

Clarice: A cortina. Comprei ontem, gostou?

Padu: Sério? É...

ameaça sair

Clarice: Você teria um tempinho pra me ajudar? Desculpa, é que eu te vi passando e você é diferente das pessoas que passam por aqui.

Padu: É?

Clarice: É. Você parece mais inteligente e além disso você é mais alta que eu.

Padu: Não sou não.

Clarice: É sim. É só um minutinho mesmo, pode subir em mim... É só pegar aquele livro ali em cima.

Padu: É sério isso?

Se posiciona para que Padu suba. No final, está de quatro. Padu está montada esticando inutilmente os braços

Padu : Acho que não está funcionando.

Clarice: É rapidinho mesmo... Você foi a única a passar que eu tive certeza que conseguiria.

Padu: Não é melhor fazer pezinho?

Clarice: Pode ser... É rapidinho...

Padu: Sério?!

As duas se esforçam para conseguir. Analu volta.

Analu: Lembrei! é que, por exemplo, um cachorro lá é dog.

Clarice: Que bom que você voltou. Assume aqui o meu lugar. Acho que com vocês duas vai dar mais certo

Analu segura Padu. Padu começa a escalar Analu

Analu: Aí é isso, Dog é cachorro. e Deus é cachorro ao contrário. Mas cachorro andando pra trás. É tipo: God, entendeu? Ao contrário

Clarice para Padu: Desculpa

Analu: Desculpa eu não sei

Padu: Não

Padu continua se esforçando para escalar Analu.

Analu: Então o certo seria que Deus, aqui, fosse orrohcac.

Clarice: Desculpa por tudo?

Padu: Não

Clarice: Desculpa por alguma coisa?

Padu: Não

Analu: Ou oãc. Dog, cachorro. Mas eu tenho uma dúvida. Dog é um cachorro de lá, mas se vissem um cachorro aqui seria cachorro ou dog? Deve ser cachorro mesmo mesmo. Mas um mesmo cachorro não pode ser cachorro e dog porque um corpo não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo

Clarice: Desculpa por todas essas memórias?

Padu: Não.

Clarice: Desculpa as falha e... os buracos?

Padu: Não.

Clarice: Desculpa ter jogado pela janela a coleção de poeira que a sua avó e deu e que me dava alergia?



Analu: é física



Clarice: E esse silêncio?

Padu: Não desculpo.

Clarice: O que você não desculpa?

Analu: ué, e Deus?

Padu: Não desculpo tudo, não desculpo alguma coisa, não desculpo todas essas memórias, não desculpo as falhas nem os buracos, não desculpo a cleção de poeira que a minha avó me deu e você jogou pela janela.

Clarice:

Analu: Deus pode né, gente?

Padu: E esse silêncio?

Clarice: é o que fica

Padu: Não. o silêncio vai. Você fica.

Clarice: E você?

Padu: Eu também fico.

Clarice: Enquanto...

Padu: Enquanto eu não te desculpar.

Clarice: Vamos ficar aqui pra sempre?

Padu alcança o livro.

Padu: É esse, gente?

Analu: Deus pode ocupar quantos lugares ele quiser ao mesmo tempo...

Padu: É esse?

Analu: ...e mesmo assim eles tem God. Então God é um Deus deles.

Padu: (completamente desequilibrada) Peguei?!!!

(Analu avança engajada na discução com a Padu. Padu segura a estrutura e os pês ficam no ombro da Analu com o corpo suspenso e esticado. O livro fica preso.)

Clarice: Politeístas desgraçados!

(Desce.)

Padu: (uma mistura de choro com riso) Não quero mais...



Clarice: Parece que o tempo tá andando pro lado.

...

Padu: Quer um beck?

Clarice: Não fumo.

Analu: Que bom, faz bem.

cotidiano

Entra, tira os sapatos, acende a luz amarela. No sofá seu outro eu a aguarda assistindo ao programa de Domingo que não lhe causa a menor reação. Fala "oi" com seu eu...não obtém resposta. Vai tirar satisfação e percebe que está presa ao sofá; enraizou-se ali, assistindo ao programa de Domingo que é igual ao de Sábado...só que para velhos. Percebe-se estragando, mofando, cheirando a edredom de lã guardado no fundo do armário do quarto de trás da casa; cheirando à naftalina.
-Oi?
-Hã?
-Como foi o dia?
-Assim, assim...
- Conseguiu emprego?
- Hum, Hum.
-Sim?
-Não.
-hummmmmm...

(silêncio)

-Tá com fome?
-não...

(Silêncio)

Bocejo...
Bocejo...

Traços e linhas de fuga 2

Ela se satisfaz com a paisagem, NADA é suficiente. O estado de paisagem e a busca pelo equilíbrio são máscaras de intimidade. Numa mesma feição coexistem neutralidade, incômodo, busca, fuga, satisfação  ausência, pedido de espaço. O equilíbrio é a busca, de resto, não existe nem nunca existiu ideologia, Deleuze e Guatarri, lembra? Ela se faz necessária como sobra, uma relação a dois só existe em função do seu terceiro olhar. Talvez tudo seja representado para ela.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Hilda sabe o que fala

"Ruiska, escolhe o teu texto, aprimora-te. Hein? Do verbo aprimorar. Fala do poço. O poço é escuro, a princípio. Depois vai clareando. À medida que você vai entrando, o poço vai clareando. Entrando. Clareando. Que porcaria. Que grande porcaria outra vez. Vou mergulhar no poço. Sabem como entro no poço? Entro assim: as minhas duas mãos se agarram nas paredes rugosas, esperem, comecei errado, é assim que eu entro no poço: primeiro, sento-me na borda, abro os braços, não, não, vou entrando, raspando os cotovelos nas bordas, meu Deus, esse jeito é muito difícil de entrar, acho que devo entrar de outro jeito no poço. Devo realmente entrar no poço? Ou quero entrar no poço para justificar as coisas escuras que devo dizer?"
Hilda Hist- Fluxo-floema


Acaba com a causa e linearidade da linguagem escrita. Maravilhosa.

memória submersa 3: pai

"Ele era eu, anão, ele era todo pra fora e ao mesmo tempo era todo pra dentro. Ele era pra fora no dar, ele dava as coisas que tinha, dava coelhos, carneiros, cordeirinho, arroz feijão pra todo mundo. Nisso ele era pra fora, apesar de que esse pra fora vem de dentro. Depois ele era pra dentro nos adentros, ele entrava no curral e ficava se desentranhando, achando o mundo cheio de gente triste, achando a vida bonita mas cheia de gente de ferro, gente dura como coisa muitíssimo dura, ele não era simples não, nada disso, era homem muito complicado, muito torcido como eu mesmo, e quando eu digo que ele se desentranhava quero dizer que ele ficava se descobrindo, que ele punha pra fora os pensamentos de dentro, que ele pensavamenteava alto, entendes? Ele falava alto. Ele dizia: meu Deus, meu grande Deus. Ele falava alto no curral, no meio das vacas, ele falava alto e pensava estar sozinho mas eu ouvia tudo, ouvido limpinho, olho fresco, ele falava assim: meu Deus, por que o mundo me comove tanto? E só dar dois três passos ver o olho do cavalo, ver o olho da vaca, ver o homem meu Deus, o homem, esse abismo mais fundo que me come, meu Deus, a memória tristíssima de tanta inocência, como eu gostaria de arrancar a minha pele sem medo e mostrar o meu todo para o outro. Ele dizia meu Deus, assim com esse corpo, assim com esse sangue, AHHHH, eu existo até onde, eu existo até... até... até que grande muro eu existo?"
Hilda Hilst- Fluxo-Floema


Em 1935, Apolônio de Almeida Prado Hilst, pai de Hilda Hilst, fazendeiro de café, escritor e poeta, é diagnosticado esquizofrênico paranóico.

Biology of Memory

Uma imensa prateleira de livros suspensa e horizontal acompanhando a parede, livros sobre computação, fisiologia, boiquímica e até mesmo títulos que tratam sobre o funcionamento da memória humana. Mas foi em "Biology of Memory", de Pribam/Broad Bent, uma compilação de crônicas, que encontrou "Memory Transfer in Rats".
"James V. McConnell, afirmava, e ele havia feito uma série de experiências para comprovar sua tese, que a memória não era armazenada no cérebro. Na verdade, o cérebro codificaria proteínas que representariam a memória. Esta proteína poderia ser localizada em algum lugar do corpo, ou até mesmo, no corpo inteiro. O fato é que este não era o detalhe mais importante para ele. A memória independeria da conformação do cérebro.
O cérebro simplesmente construiria tal proteína."

Memory Transfer in Rats

James McConnell passou a realizar experiências com mamíferos e chegou ao ponto de dizer que havia transferido memória de ratos para gatos, ou seja, de uma espécie para outra. Foi então que ela parou para pensar e admitir que os índios estavam certos quando comiam seus adversários mais valentes. No mínimo, estariam ganhando sua memória. Pensou ainda que, durante a infância, seu pai tinha o costume de fritar miolo de vaca e, talvez, esta fosse a origem do seu sonho.
Um local aberto, belo e ensolarado, com cara de piquenique corresponderia muito bem à memória de um bezerro.
Estar num pasto feliz e saltitante rodeada por semelhantes e o fato de ver o pai esquartejado parece uma cena comum à vida dos bezerros.
Ela acredita que James McConnell está mais certo em sua tese do que imagina.
As vezes, as coisas não parecem fazer sentido...?

(Alguns fragmentos do Mutarelli desorganizados e editados.)

a dramaturgia do mofo






Alfred Stieglitz - Equivalent
1925 a 1934

série de 220 fotografias

domingo, 25 de março de 2012

e nossa peça vai ganhando umidade... digo unidade


Quando somos gerados, permanecemos um tempo no líquido amniótico, que nos conserva como formol conserva cadáveres. Nascer é começar a apodrecer.O tempo nos mofa. E nós damos ao tempo, existência.




Estudo Cacá/Clarice. A desenvolver:
o mofo como dramaturgia do corpo
infiltrar=mofar=apodrecer=não secar=envelhecer
mofo como contágio
mofo que sai da parede e engole palco, plateia... até virar céu
o mofo na pele: quando chovemos, quando estragamos, adoecemos.
mofar deve doer
infiltração de ideias


sinônimos: bolor,abolorecimento, sito, bafio(cheiro do mofo, fartum, ranço, cheiro de guardado, esquecido, perpétuo e podre)

Prólogo


Ela está sempre à procura de paredes que não existem num teatro ou como possibilidade de cenário para a peça. A presença das paredes se faz por sua ausência, o processo do panóptico é a sensação de estar sendo observada do início ao fim e a busca por apoios breves, fricções de afeto. A parede nesse caso é apenas a sensação do panóptico e a janela, a possibilidade do estrangeiro. Início. Ela de costas ereta descrevendo uma parede ao fundo da cena, o mofo de uma parede antiga que se torna céu. A cena é por inteiro céu, e ela se mantém num movimento de locomoção que parte da resistência da sensação de estar sendo puxada para a platéia como uma ímã na coluna. Trilha sonora. Ápice. Fim. Início.

Clarice: Você não deve ter impermeabilizado bem o terraço, porque agora eu posso ver o mofo na parede azul, que antes me parecia horrível, de um branco acinzentado, com pontinhos embolorados amarelos que se expandíam à medida em que se aproximavam do teto. Os amarelos antigos, esverdeavam e novos pontinhos pareciam surgir toda vez que eu olhava a parede. Me incomodava. O borrão cinzento me invadia e eu já não suportava mais. A água que faltou este tempo todo deve ter ressecado uma parte de mim, porque já não me comovem mais os patos, as portas, as pinças, os potros, os panos e todas aquelas coisas que costumavam fazer cosquinha nas minhas entranhas. O sistema elétrico monofásico me deu curtos monogâmicos. Ambos com sombras-bombas-relógio de um porvir autodestrutivo. Lembra do dia em que acordei deitada no teto e o chão tinha caído em mim, por causa das infiltrações subterrâneas geradas pelo movimento peristáltico do centro da terra e pela permeabilidade pluvial do terraço? Foram-se os meses com aquelas bolhas de água infiltradas na minha pele de gesso e cal. Agora já não mais parede e eu toda mofo para além de lá atrás tão branco acinzentado com esses fungos amarelos, de forma que eu mudo o contraste apenas variando a pressão dos olhos. E de repente é tão nuvem que se eu continuar olhando, por mais alguns minutos, sei que chovo. Dá vontade de gritar: A terra é azul! Maligno e lindo, esse céu. É meu. (pausa). Início.


Passagens Padu. (Pensar sobre possíveis entradas e saídas:Troca lâmpada, acrescenta canos)

sábado, 24 de março de 2012

a dramaturgia das nuvens





Vamos prosseguir com a nossa cena. Um cenário de uma sala quase vazia. Serão dez palavras e setenta e dois olhares. Mas você não sempre diz que não gosta de olhar nos olhos das pessoas?  Bom, eu, você e nossos mistérios defasados. Vou te dizer em silêncio que estão molhados porque caiu um ciúme nos meus olhos. Ria, foi uma piada desesperada. Você pega meu cigarro e eu bebo do teu copo. Sabia que dizem que se eu beber do seu copo vou descobrir todos os seus segredos?  Aí eu me levanto da mesa enquanto você come pra desperdiçar o meu tempo escrevendo no ar coisas que não quero que você leia. Me dá um tapa, um beijo, um trago, um gole ou qualquer coisa que me arranque do meu lirismo crônico. Anda, eu já tirei meus óculos. Tudo bem, vamos deitar. Mas me abraça como se a gente estivesse bem, eu não aguentaria desperdiçar os braços que são da dimensão exata da minha falta.
O sol já levantou, já é hora de fingir que a rotina é mais importante que o nosso teatro. E fingir também  faz parte do nosso teatro. Estou saindo, quando a lua tocar o interfone a gente se vê de novo.  Um cumprimento mecânico seguidos de três palavras lindas: obrigado pelo abrigo.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Título da Postagem

Gente,
não sei se vocês já se pertubaram por isso, mas alguma hora nossa peça vai ter que ter um nome e isso tem me parecido tão distante! Resolvi dar uma olha nos posts pra ver se alguma coisa aqui já caminhasse nesse sentido. Namopartículas, Príncipe Harry, forças ocultas, à margem, mofo, pausa, dog, dança, contágio, etc etc etc etc etc. Resolvi olhas os títulos das postagens e algumas tem cara de título de peça (na minha opinião, claro):

  • Sobre videiras
  • Para Analu
  • fragmento 2
  • Contágio
  • fragmento n 1... pseudoautobiográfico
  • memória submersa 2 
  • o voo
  • ucrania 3
  • travessao
  • janela
  • torcicolo
  • mulhers na janela: vez em quando um sutiã
  • 8171
  • kehl
  • dialógo 1 e 1/2
  • sobre como contar gostas de chuva
  • testemunhos do caos 1
  • séries
  • ruínas da memória
  • esquizofrenia urana
  • o teatro de sombras
  • a moça e o queijo

Eu eliminaria, primeiramente tudo que tem "sobre" antes, pq é clichê hahaha. depois as coisas "climão" como "o voo", "ruínas da memória", "esquizofrenia urbana", etc. Depois os títulos que sublinhem claramente o que estamos falando, como "mulheres na janela", "janela","teatro de sombras", "pseudautobiográfico", "testamunhos do caos",

Restaram:
  • Para Analu
  • Fragmento 2
  • Ucrânia 3
  • Travessão
  • Torcicolo
  • 8171
  • Kehl
  • Diálogo 1 e 1/2
  • Séries
  • A moça e o queijo
Eu poderia dividir em:

Títulos que falam da estrutura da peça
  • Travessão
  • Diálogo 1 e 1/2
  • Séries
  • Fragmento 2
Títulos que falam do exerior, do outro, do "se sentir observado"
  • Ucrânia 3
  • 8171
  • Kehl
Títulos que falam dos nossos incômodos particulares:
  • Para Analu
  • Torcicolo
Título de estranha categoria
  • A Moça e o Queijo

Esse último fala da estrutura, que permite a construção de fábulas por diversos narradores. fala do exterior e do autobiográfico, pois é a história de uma moça que pode ser nenhuma de nós ou todas nós.

Enfim, eu, a princípio, gosto muito de Ucrânia 3, porque pra gente tem um significado claro (os 3 ucranianos que acompanham nosso blog) e que nos remete . Mas como título pode sugerir um zilhão de coisas. Sugere um lugar, que a gente quebra, já que enfim.. não o é. Sugere que esse 3 podemos ser nós 3. Que estamos falando de alguma coisa que está fora. Enfim, é um título que produz um efeito sem causa.

Só isso, resolvi compartilhar... Queria saber se vcs já começaram a pensar sobre o título também.

=)