quarta-feira, 8 de agosto de 2012

rascunho1

[olha o que eu achei preso nos rascunhos do dia 6 de março de 2012! cleris]

A: A poeira fina que ocupava o espaço onde antes ficava a sua estante, eu varri como quem varre os destroços de uma guerra. O vazio não. Eu bem que tentei. Só tentei. O vazio só é. Só sou. So so... O mofo da parede eu só vi agora, depois que as suas coisas saíram debaixo da mesa. Você vai ter que voltar pra me ajudar  resolver, quando vier dar uma força com as garrafas de cerveja, que você bebeu, diga-se de passagem. Não esquece tá?! Eu nem estarei em casa essa semana, você tá com medo de mim agora? Que coisa esquisita... Eu não vou te agarrar! 
B:Chega.
A:(para si) O processo é de subtração. Liberdade é prazer. Música é prazer de presente. Respira. 
C: "pegar a espingarda velha do seu avô que você por algum motivo não trocou por dinheiro na campanha de desarmamento, abrir o cartuxo, tirar a pólvora negra, colocar dentro de um pequeno furo em cima de uma lâmpada. colocar a lâmpada de volta no teto. esperar que ela esteja dormindo deitar ao seu lado ligar o interruptor 0,43782 milésimos de segundo BUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUM."
A: As vezes eu fico com vontade de mandar uma mensagem fofinha idiota do tipo: "Lembra do nosso ninho? Nosso cantinho?"
C: Tenta se afogar. Não consegue. 
A: Pra onde mesmo eu disse voar? A sensação é de um sol... Um sol, que de alguma maneira chove... Um sol... Parece que é bonito, mas tá doendo... Parece que vive, mas é absolutamente programado... É como se um sol chovesse na pele, é isso.
B: Não dá pra trazer pra você uma coisa que é do outro.
A: Mas eu não sinto só o sol... É como se me observassem o tempo todo. Você talvez. E ainda que não haja observador nenhum 'o essencial é se sentir observado' Foucault, lembra? Esquece... "Basta um possível olhar superior central, vigilante, de modo que tudo veja sem ser visto, porém sendo de extrema importância que o vigiado se conscientize dessa observação constante." Um golpe psicológico. Trata-se de pura especulação, na íntegra. Esquece. É Foucault, você não vai entender. Traz por favor, uma garrafa de água, três alto falantes, um sintoma de fraqueza, uma dor de cabeça, mistura com neosaldina com um pouco de sal que dá pra engolir na boa, uma mordida de unha e três mexidas de cabça daquelas do tempo em que a gente não contava o tal do tempo e perdia os dias sentados na varanda branca de sinteco, de vez em quando ao lado das árvores quietas. Aproveitando, traz um pouco de talco branco pra cuidar os nossos pés de anos enterrados e um alicate de unha?
B: Não
C: Tentativa de choro baixo. Não conseguir. Tentativa de choro baixo. Não conseguir. 
A: Parece vivo, mas é absolutamente programado. Não ser amado de volta é que dá esse gostinho doce no final da vida.
C: Tentativa de gargalhar desvairadamente. Não conseguir.

A:  então é isso?
C: Isso. Parece desapontado.
A: Não é isso...
C: Mas, parece.
A: Acho que estou, mas não queria desapontar você que teve tanto trabalho para me trazer aqui.
C: Tudo bem, eu entendo.
A: Foi assim com você?
C: Comigo? Não. Eu, na primeira vez, fiquei deslumbrado.
A: Acho que eu tinha muita expectativa.
C: Poder ser.
A: Me desculpe.
C: Imagine, não me deve desculpas.
A: Mas é sempre assim? Será que eu não vim num dia ruim?
C: Não. É sempre assim.
A: Que coisa.
C: É.
A: Vamos?
C: Não quer ficar mais um pouco?
A: Tenho vontade de ficar quando penso no caminho da volta.
C: É cansativo, não é mesmo?
A: Ô!
C: Não quer sentar um pouco?
A: A areia me incomoda. Me dá aquelas brotoejas.
C: É alérgica?
A: Penso que sim.
C: E um coquetel, não quer?
A: Eu não bebo.
C: Não bebe?
A: Não bebo.
C: É uma pena. Aqui eles fazem aqueles maravilhosos coquetéis coloridos, com gelo triturado e pequenos guarda-chuvas.
A: Eu vi num anuncio.
C: São muito bons, pena que você não bebe.
A: Eu parei.
C: É uma decisão sabia.
A: Será?
C: Creio que sim.
A: Tem aquela historia de que um cálice de tinto a noite ajuda o organismo.
C: Eu bebo um cálice todas as noites.
A: Você parece bem.
C: Obrigado.
Pausa.
C: Sabe o que mais me fascina quando estou aqui?
A: Os coquetéis?
C: Não, não. Me refiro, de fato, a paisagem.
A: O que?
C: Pensar que do outro lado existem os outros e que talvez agora, nesse exato momento, estejam outros dois a olhar o nosso horizonte e a pensar que talvez estejamos aqui.
A: Eles pensam isso?
C: Não sei, mas gosto de pensar que sim.
A: E eles realmente falam em outro idioma?
C: É o que dizem.
A: E pensar?
C: Como assim?
A: Será que também pensam em outro idioma?
C: Isso eu não sei, mas penso que sim.
A: Mas e quanto a química do pensamento, será que ela muda?
C: Química do pensamento?
A: Voce já conheceu alguém que cruzou a fronteira?
C: Meu bisavo.
A: Serio?
C: É o que dizem.
A:Seu bisavô então devia falar outro idioma.
C: Se realmente cruzou o oceano, só poderia falar outro idioma.
A:Como será?
C: Deve ser igual.
A: Como assim?
C: Por exemplo, um cachorro lá é dog.
A: Dog?
C: É. Dog é cachorro.
A: Caramba!
C: Caramba eu não sei.
A: Não, eu disse, caramba! Que coisa! Nossa! Meu Deus!
C: Eu sei que Deus é dog ao contrario.
A: Como assim? Um cão quando anda de costas é Deus?
C:Não, dog e God.
A: Então Deus, aqui, deveria ser orrohcac.
C: Ou, oãc.
A: É verdade.
C: Dog, cachorro.
A: Eu tenho uma dúvida.
C: Qual?
A: Um dos é um cachorro de lá, mas se vissem um cachorro aqui como seria?
C: Aqui?
A: É.
C Acho que seria cachorro mesmo.
A: E um mesmo cachorro pode ser dos e cachorro ao mesmo tempo?
C: Não, porque nenhum corpo pode estar em dois lugares ao mesmo tempo.
A: E Deus?
C:  Deus pode.
A: E então?
C: Nessa você me pegou.
A: Então God é o Deus deles?
C: É.
A: Politeístas desgraçados!(para B que passa) É novo.
B: O que?
A: O lustre. Comprei ontem, gostou?
B: Sério? É...
A:Você teria um tempinho pra me ajudar é que eu não alcanço a lâmpada você é mais alta...
B: Não sou não.
A: É só um minutinho mesmo, pode subir em mim...
B: Eu estou do mesmo tamanho que eu estaria se estivesse em pé...
A: É rapidinho mesmo... Você parece mais inteligente do que as pessoas que passam por aqui...
B: Sério? Não é melhor fazer pezinho?
A: Pode ser... É rapidinho... 
B: Sério?! Cuidado hein?! Calma...
A: desculpa?
B: não
A: desculpa por tudo?
B:não
A: desculpa por alguma coisa?
B: não.
A: desculpa por todas essas memórias?
B: não.
A: desculpa as falha e... os buracos?
B: não.
A: desculpa ter quebrado aquela ampulheta de vidro que a sua avó te deu?
B:…
A: E esse silêncio?
B: não desculpo.
A: o que você não desculpa?
B: não desculpo tudo, não desculpo alguma coisa, não desculpo todas essas memórias, não desculpo as falhas nem os buracos, não desculpo a ampulheta de vidro que a minha avó me deu e você quebrou.
A: …
B: e esse silêncio?
A:  é o que fica
B: não. o silêncio vai. você fica.
A: e você?
B: eu também fico.
A: enquanto...
B: enquanto eu não te desculpar.
A: vamos ficar aqui pra sempre?
B: …
A: parece que o tempo tá andando pro lado.
B: Quer um chá?
A: Não.
B: Que bom, não tem.



A: Desculpa?







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